sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Os Sorrisos de Cada Lugar - Parte 2


A tarde quente da cidade-museu era, por inteira, novidade. As descobertas de uma cidade através de dois mapas, riscados nos pontos que queríamos visitar, eram feitas melhores andando. Pegar metrô e ônibus se pega em São Paulo, quando se vai e volta da faculdade, quando se sai com os amigos, quando se vai resolver assuntos de urgência burocrática em algum canto do centro da cidade. Durante uma viagem, sobretudo no molde daquela que fizemos (dormindo alguns dias nas estações de trem), o mais interessante mesmo é andar. Foi andando, portanto, que descobrimos que a cada esquina existiam torneiras pelo meio da rua, como fontes, que liberam água continuamente. Água gelada, diga-se de passagem, que acabava se tornando a melhor bebida na tarde quente de novidades. 
Ao andar pela cidade existe a possibilidade de parar em cada uma dessas torneira-fontes e encher a sua garrafa de água, mesmo que ela ainda esteja na metade, apenas para provar mais um pouco da água gelada que brota continuamente do solo romano. Ao andar pela cidade existe também, e sobretudo, a possibilidade de conhecer mais daquele lugar, do cotidiano dele, tentar fazer parte de algo, como fazemos da cidade que moramos, nem que seja por apenas um dia. E foi com essas andanças que, além das águas, descobrimos uma orquestra tocando o tema de O Poderoso Chefão e depois de Cinema Paradiso, o que apenas serviu para tornar aquele dia ainda mais especial.
Depois de ficarmos anestesiados pela orquestra, pela praça e por amostras grátis que estavam dando aos montes de um sabonete líquido (como todo bom brasileiro, cada um de nós pegou uns 4), resolvemos voltar para o hostel (felizmente nesse dia pegamos). Andando, claro. Para evitar a repetição do caminho e aproveitar o tempo para conhecer um pouco mais a cidade, resolvemos ir por um grande parque que circundava uma boa parte das "costas" da cidade. Um parque alto, no qual podia-se observar uma vista incrível da cidade inteira. Sendo um dia de verão, diversos turistas e habitantes da cidade mesmo estavam aproveitando ao máximo o ar fresco das árvores do parque.
Enquanto minha amiga parava para tirar algumas fotos dele, eu fiquei observando um grupo de casais de velhinhos. Alguns estavam com crianças, e acabei deduzindo que esses fossem seus netos. O grande atrativo, no entanto, era a oficina de dança da qual eles participavam. Um senhor estava ensinando para eles diversos ritmos musicais e, naquele momento, parecia ser algo como tango (perdoem meu falho conhecimento em ritmos, sou péssimo nisso). Observava aquelas pessoas, dançando e rindo, casais de um amor antigo (ou novo, quem sabe) aproveitavam a tarde quente da cidade-museu, transformando ela também em cidade-dança. E sempre que se atrapalhavam nos passos, os risos ficavam ainda mais altos, mas sem desespero. Eram risos altos, mas leves. Como uma dança, normalmente, pede. Me encostei em um árvore e fiquei observando aquela bela cena, enquanto ria junto com aqueles senhores e senhoras, e alguns netinhos e netinhas. Eu ria por rir, pelo movimento desengonçado do corpo deles, que não ligava muito por acertar os passos.
Uma senhora, enquanto dançava e ria, por um momento se virou e percebeu que eu estava me divertindo com aquilo tudo. Ela riu para mim, acenou, disse algumas palavras (as quais eu não entendi, por conta da língua e por conta do som) e me chamou para fazer parte da oficina de dança que estava armada naquele parque. Obviamente, não fui. Ri de novo para ela, acenei e movi o dedo negando. Ela riu e voltou seu olhar para a dança. Minha amiga voltou das fotos e disse para prosseguirmos caminho.
Não esqueci mais do sorriso daquela senhora, ou dama, de Roma.


quinta-feira, 26 de setembro de 2013

O primeiro filme que te fez chorar.

Minha irmã chega da escola hoje com uma cara de choro. Minha mãe pergunta o que aconteceu e ela, relutante em dizer o que, responde com um "nada". Minha mãe, como toda mãe, percebeu que o "nada" não era tão "nada" assim e insistiu na pergunta mais uma vez. Sem necessidade de insistir mais minha irmã logo respondeu, "é que hoje assistimos A Corrente do Bem na escola", e começou a chorar. De imediato a reação de todos na cozinha foi rir. Perguntamos o porquê dela estar chorando e ela responde, com toda a inocência de uma menina de 11 anos, "é que é um fato de uma pessoa real!". E o choro aumenta exponencialmente. 
A Vitória, a irmã de quem vos fala, protagonista da cena descrita acima, sempre foi bastante emotiva em filmes e desenhos. Sempre se emociona com os personagens sofrendo, até mesmo nas animações mais bobas. Como irmão mais velho eu represento meu papel de "zuar" com a cara dela, enquanto ela chora. Mas a verdade é que admiro a capacidade das pessoas em se emocionar com filmes. Eu considero uma virtude, se emocionar perante uma cena demonstra uma relação de espectador - obra tão sincera com aquilo que se vê, que não me faz pensar em uma forma tão genuína de sentir a arte, por menos "arte" que consideremos aquilo. E depois que a consolamos e rimos mais um pouco, eu disse para ela que ela jamais esqueceria desse dia, pois foi o primeiro filme que ela chorou e que realmente sentiu o peso do drama do mesmo (inclusive fazendo ela refletir até mesmo horas depois que ela assistiu, algo que a maior parte das animações e filmes mais bobos não faz). 
Esse fato, instantaneamente, me fez lembrar do meu primeiro filme em que chorei. O filme se chama Meu Cachorro Skip, sobre um garoto que ganha de presente de aniversário um cachorro, de nome Skip (incrível!). O cachorro acaba por ser seu único grande amigo e o filme acompanha os dois ao longo da infância, da adolescência e da juventude do garoto, quando ele vai para a guerra, e deixa o cachorro - já velho - na casa dos pais. Ao voltar da guerra recebe a notícia que o cachorro estava morto. Como se pode perceber é uma história bastante simples, mas que me emocionou muito quando criança. Lembro de ter saído do quarto dos meus pais, onde estava assistindo, e me fez ir à sala deitar no colo da minha mãe e chorar, tal como fez a minha irmã. Infelizmente, depois desse filme, inexplicavelmente, criei um barreira emocional quanto à chorar em filmes. E poucos, muito poucos, tiveram a façanha de me fazer lacrimejar, ao menos. Por isso, na minha lista mental de filmes, aqueles os quais conseguiram me emocionar, eu os considero grandes filmes. Na Natureza Selvagem e As Aventuras de Pi foram os filmes recentes que mais conseguiram isso.
Enfim, acho que todos nós devemos ter essa imagem de "primeiro filme em que chorei pra valer e que me fez pensar por dias". Aliás, talvez seja até mesmo importante, na nossa formação enquanto crianças, haver esse primeiro contato com a tristeza por uma obra audiovisual. Não entendo de psicologia, mas conversei com outro amigo que diz ter também a sua imagem de primeira emoção real ao ver um filme. Me deu vontade de escrever esse post e guardar o momento para a posteridade. E, como um irmão que faz a irmã mais nova gostar de tudo (ou quase) que ele gosta, fiquei feliz por ter presenciado esse momento com ela. 




domingo, 18 de agosto de 2013

A Persistência da Memória

Neste sábado assisti ao filme Elena, documentário brasileiro sobre uma jovem atriz de mesmo nome que foi morar em Nova York com o sonho de atuar no cinema e que, infelizmente, morre durante o tempo em que mora na cidade. O filme é dirigido por Petra Costa, irmã mais nova de Elena, que nos gera a impressão de querer (re) descobrir a irmã e, ao mesmo tempo, conhecer um pouco de si mesma, à medida que percebemos ao longo do filme o quanto a figura da irmã mais velha era marcante na vida da pequena Petra. No entanto, minha intenção com esse post não é comentar sobre os aspectos técnicos e narrativos do filme, propriamente dito, mas sim comentar sobre o que ele me fez refletir. 
O filme foi exibido em uma sessão do Univercine, encontro mensal da Universidade Federal de São Paulo e da Cinemateca Brasileira em que um filme nacional é visto e depois discutido com a presença de algum convidado. Na sessão de Elena esteve presente uma das montadoras do filme, Idê Castro, responsável pelo primeiro processo de montagem do documentário (foram dois processos ao todo). Idê comentou com os espectadores que Petra tinha a intenção de estabelecer uma narrativa para o documentário que soasse e fluísse como a memória. Por isso o filme possui muitas imagens desfocadas, voz em off narrando alguns trechos de diários de Elena, ou então "zoom" em objetos específicos, ou movimentos corporais muito pontuais (como um toque de mão no rosto, um vestido florido voando por conta do vento, entre outros momentos minimalistas). E, de fato, a sensação por vezes é de você estar dentro da cabeça de Petra no momento em que a mesma retoma suas memórias, boas ou ruins, sobre sua irmã. Ao mesmo tempo foi impossível não pensar na questão da "memória" ao ver o filme e fazer parte do debate pós-sessão. 
Assim sendo, a memória me pareceu o tema central da narrativa. Não obstante, desde ontem me pego pensando em como temos essa memória que flui desvairadamente sem parecer ter muita coerência (e existe uma cena belíssima de mulheres flutuando na água que remete à esse fluxo de imagens da memória). O próprio filme me fez despertar minhas memórias de criança, me fez lembrar de pessoas queridas. E as memórias são assim mesmo, não sei porque, mas me lembro de momentos tão específicos e ao mesmo tempo tão singelos, situações que não considero como impactantes ou emocionantes para estarem na minha mente de forma tão presente, mas que por algum motivo estão aqui, fluindo. Contudo, ao mesmo tempo, por vezes, ao tentar relembrar momentos, situações e, principalmente, pessoas, fico assustado se algo específico delas foge de mim. Afinal, se aquilo tudo já é passado como farei para recordar do toque de alguém, da voz, do cheiro da situação? E, caramba, esse é um momento de pequeno desespero. Somos reféns de nós mesmos, de nosso próprio esquecimento.  
Ao final o filme me deu a impressão que Petra queria fixar suas memórias em imagens, como forma de impedir que elas não escapem de si mesma. Talvez ela tenha se perguntado: e se, de repente, em uma tentativa de recordar as coisas eu percebesse que esqueci delas? Talvez tenha vindo desta pergunta a ideia do filme e, mais ainda, o possível sentimento de culpa que pode surgir deste lapso de memória.
Eu não creio que seja possível, de fato, esquecermos de algo que realmente nos marcou, mas é fato que aos poucos essa memória vai se tornando menos concreta, mais fluída e, portanto, menos perceptível. Ela vai sendo decantada no fundo desse lago. Mas, elas ainda estão lá (ou aqui) esperando o momento certo para serem trazidas à superfície, basta haver a agitação necessária. Elena acaba por fazer parte de um seleto grupo de filmes que trata a questão da memória de maneira excepcional, como o conhecido Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças e A Valsa com Bashir, filmes muito bonitos que procuram mostrar tanto a fragmentação da memória em nossas mentes, como a necessidade do ser humano de manter essas lembranças vivas. E é com o passar do tempo, conforme vamos ficando mais velhos, que percebemos que, de fato, existe não apenas um, mas vários brilhos eternos nas nossas mentes. 

(A Persistência da Memória, Salvador Dalí)

segunda-feira, 12 de agosto de 2013

São Paulo, 2030.

Me surgiu uma ideia atualmente. Como não é segredo para ninguém adoro filmes e tenho um apreço especial por filmes de destruição ou de futuros distópicos (sim, como O Dia Depois de Amanhã, Guerra dos Mundos e o mais recente Círculo de Fogo) tenho até receio do que isso significaria para um psicologo - e espero que o Obama não leia esse post - mas as cenas desses filmes são geralmente tão interessantes. Nelas as cidades são destruídas, ou já estão, enquanto os seres humanos são obrigados a procurar um lugar, junto com seus familiares, para se abrigar. Acho incrível a sensação de desespero que esses filmes podem gerar, quando bem feitos. Se a ameaça é grande não há saída, a não ser talvez correr, como ocorre na maioria dos exemplares deste subgênero do cinema. 
No entanto, a grande maioria destes filmes se passam nos Estados Unidos, como é óbvio. Uma interessante leva, no entanto, tem mudado um pouco o rumo das locações. Começando pelo Distrito 9, talvez o caso atual mais emblemático, no qual a chegada de aliens ocorre na África do Sul (o que, inclusive, me faz lembrar ligeiramente da música O Dia em que Faremos Contato, do Lenine http://www.youtube.com/watch?v=6imYV1dyk30). Pensando nisso me veio à mente ter São Paulo como uma locação destes filmes. A verdade é que já existe um filme (e muito bom) na cidade, o Ensaio Sobre a Cegueira, de Fernando Meirelles. O filme tem boa parte das cenas externas filmadas em pontos emblemáticos da cidade, como o Viaduto do Chá, o Minhocão e a Ponte Estaiada da Marginal Pinheiros (essa estava sendo construída ainda durante as filmagens, o que torna as cenas em que ela aparece ainda mais interessantes). Porém, não existem referências diretas à cidade no filme. Meirelles a escolheu justamente por ser uma cidade em que as pessoas não reconheceriam imediatamente o local no qual o filme se passa, já que na obra de José Saramago, livro que o filme adapta, não há uma referência ao local no qual a cegueira branca se abate. Assim sendo, por mais interessante que seja reconhecer São Paulo no filme eu acho que meu desejo de ver a cidade em um filme do subgênero comentado ainda não foi realizado.
Como estou com tempo ocioso de sobra fico pensando em diversas bobeiras e pensei em um rascunho na qual São Paulo aparecesse de forma mais enfática, sendo quase como que um personagem, em uma história de futuro distópico\destruição. Como a maioria sabe, vivemos em uma cidade que está cada vez mais tomada pelos grandes prédios, que deixaram de ser meros prédios para se tornarem quase pequenas vilas francesas. Os condomínios construídos atualmente são, cada vez mais, cercados por grandes muros. Moro em prédio, mas fiz uma visita esses dias à um muito mais emblemático, me senti entrando em uma mini cidade murada. Devido ao fato de SP possuir um péssimo transito e não ser a metrópole mais segura do mundo, esses condomínios agregam em seus espaços comuns parques, cinemas, brinquedotecas, quando não restaurantes, cabeleireiros, entre outros comércios e espaços de convivência. Não basta haver muros, para proteger o local do mundo externo, ele ainda precisa possuir dentro de si quase um microcosmos da São Paulo de fora. A imagem das cidades muradas da Europa não me sai da cabeça. Existem hoje quase que diversos pequenos feudos na cidade que se levantam com mais frequência e, por mais estranho que seja dizer isso, por menores que sejam, eles estão se tornando maiores. Ocorre claramente uma divisão espacial na maior cidade da América Latina, que o sociólogo Boaventura de Sousa Santos, por exemplo, caracterizaria como um fascismo social, por exemplo, em que os espaços da cidade são divididos de acordo com as classes sociais que os habitam. 
Ao imaginar uma São Paulo distópica me veem à imagem um São Paulo murada em que o cotidiano se fará dentro dos condomínios. Com a tecnologia existente as pessoas não mais precisarão sair de seus muros para trabalhar.  Aliás, alguns condomínios terão seus edifícios empresariais ligados aos de habitação. A rua se tornará um espaço vazio, quem sabe, tomado por algum grupo que detenha certo tipo de força e que exerça violência. As pessoas que não possuem possibilidade de morar nesses feudos urbanos ou ficarão à merce da rua ou murarão seus bairros, suas casas.
Enfim, não creio nem um pouco que seja uma ideia genial, acho até que outras pessoas já a tenham tido, mas considero interessante. Veio à mente também formas de relacionar isso com as manifestações atuais, bem como o recuo estratégico para as periferias, de forma a promover uma visão política mais contestadora das mesmas. Porque não permitir que as periferias ocupem (já que a palavra está na moda) a cidade? As áreas tomadas pelos grandes escritórios e condomínios-feudos? E se as pessoas da periferia estivessem dispostas a ocupar? E se, com medo, o governo e as classes sociais que o apoiam, bem como apoiam o caráter agressivo da PM, exigissem que retaliassem as massas e construíssem muros que as impedissem de tomar a cidade inteira?
São ideias.

domingo, 21 de julho de 2013

O Jogo Psicológico do Mosquito

Como se não bastasse a ansiedade do momento havia um mosquito. Sim, um mosquito, um nome científico aqui seria mais apropriado, pois já li em algum lugar que mosquito, na verdade, não é mosquito. Mas, que seja, não escrevo agora para saber nomes específicos, digito pois um maldito mosquito entrou pela janela do quarto, nestes dias quentes, e resolveu ficar. Óbvio, encontrou um local para se abrigar das frias madrugadas da cidade e, ainda melhor, com alimento pelas próximas 12 horas. 
Assim, enquanto durmo, ou tento, ele resolve atacar. Voa por entre as cobertas se esgueirando das rugas das mesmas e finalmente chega na orelha. O que acontece para ele querer tanto voar pela orelha? Eu não faço a mínima ideia, mas ele parece que faz questão de bater suas asas ali. O que era para não ter som nenhum, devido ao tamanho ínfimo que possui, consegue produzir um som tão ensurdecedor na calma, tranquila e esmagadoramente quieta madrugada. Eu acho que o maldito sabe que tem esse poder, ele sabe que apesar de ser pequeno possui o dom de irritar os seres humanos com o seu barulho infernal.
Não bastasse a raiva que o barulho traz, bem como as retiradas constante de sangue durante a noite, o mosquito estabelece um jogo psicológico ainda mais insano na sua vítima da madrugada. Acontece que o ódio pelo barulho é de tal monta tão grande que a vítima fica na expectativa que o mesmo volte a soar em seu tímpano. Na calada da noite, em que os sons das ruas resolveram se aquietar nas sombras, aquele "zzzzzzz" tão próximo do ouvido assume um caráter tão cruel que acaba por querer ser evitado pela vítima a qualquer custo. Sendo assim, tampa-se a orelha com o cobertor, mas a mesma esquenta, mais um incomodo. Em seguida, tenta-se tampa-la com o braço, porém a posição se torna desconfortável depois de um tempo; muda-se de posição, mas o maldito pode voltar a atacar mesmo ali. Oras, o que fazer então? 
Nada, a vítima, neste momento, está fadada a escutar o barulho do mosquito novamente, a qualquer momento, no próximo segundo, e a neura só tende a crescer. Desta forma, a merecida noite de sono cede ao receio do som do mosquito voltar a acontecer, o mosquito se torna o rei da cadeia alimentar durante a noite. Pois além de conseguir encher a pança, irá subjugar a noite inteira o maior predador da Terra, impedindo-o que durma e recupere suas energias para fazer o que deve ser feito no dia seguinte.
Não há outra solução, deve-se comprar um veneno, um repelente, uma luz daquelas de queimar mosquitos. Qualquer arma letal produzida por algum ser humano que passou por esse jogo psicológico e precisou se livrar dele alguma noite, para poder dormir em paz. 
Eu, sinceramente, acho que o mosquito aqui pode assumir uma postura metafórica para os problemas que nos afligem na hora do sono, se alguém estiver lendo isso aqui pode interpretar como quiser. Meu problema mesmo é a falta de sono que o maldito mosquito do meu quarto me proporcionou. Acendi as luzes e liguei o computador para ver se ele aparece, quem sabe não possa mata-lo logo de uma vez.


terça-feira, 16 de julho de 2013

Os Sorrisos de Cada Lugar

Sabe quando assistimos um filme de viagens, como aqueles "road movies", em que os personagens sempre acabam conhecendo diversas pessoas ao longo do caminho? Pois bem, eu sempre achei essa ideia um pouco forçada, não achava que era possível encontrar sempre pessoas tão agradáveis em todos os lugares pelos quais você passasse. Ao longo desses seis meses pude perceber, felizmente, que estava enganado. 
Durante este tempo em que estive fora e pude conhecer lugares que sempre quis, ou que nem imaginava que eu iria, percebi que é bastante plausível você encontrar pessoas que façam você soltar aquele sorriso mais natural possível. O que de fato me ocorreu foi que essas pessoas que você encontra nessas viagens não necessariamente se tornarão seus melhores amigos, ou te deixarão um ensinamento para o resto da vida, entre outras coisas que estes filmes apresentam, mas essas pessoas possuem a capacidade - e eu tenho certeza que elas não sabem que fizeram isso comigo e com aqueles que estavam comigo - de deixar uma marca muito forte em que elas se aproximam, e que fazem minhas lembranças das cidades pelas quais passei não estarem na minha mente simplesmente pelos monumentos mais importantes de cada lugar, mas sobretudo, pelo singelo sorriso que essas pessoas, de alguma forma, tiveram a gentileza de proporcionar para nós. 
E os casos são tantos e tão legais que me peguei pensando neles esses dias enquanto estava tentando dormir. Quando eu e a minha amiga estávamos em Varsóvia, na Polônia, já no início de uma primavera extremamente gelada, nós resolvemos entrar em um museu que também era um memorial aos judeus poloneses mortos durante o holocausto, no local que antigamente era o denominado "Gueto Judeu". Ao entrarmos no local e ficarmos um bom tempo olhando o que lá estava exposto, ao sairmos tivemos que assinar um livro de visitação, como geralmente os museus possuem, obviamente assinamos com nossos nomes e colocamos o estado de São Paulo e país de origem como Brasil. Após isso, seguimos caminho para fora do museu\memorial. Quando estávamos deixando o local ouvimos um senhor já mais velho, um dos guardas, nos chamando. Naquele momento, obviamente, eu pensei "ai caramba, ferrou-se", e quando viramos para atender ao chamado do homem ele nos disse, em um inglês difícil de sair (como o meu) que queria nos mostrar uma coisa. Aquele senhor nos fez entrar novamente no memorial e nos levou até uma sala em que havia uma notícia da Folha de S. Paulo, sobre a morte de duas crianças judias na região. Após nos mostrar isso, nos fez esperar enquanto pegava um livro de visitação mais antigo. Ele folheava, folheava, como que procurando algo, até que achou a assinatura de um Frei brasileiro (conhecido, por sinal, mas que me foge o nome agora) sobre sua passagem naquele museu. Naquele momento, não sei o porque, os olhos do guarda estavam com água, não acho que ele fosse chorar, mas algo ali, naquele momento, fez ele ficar levemente emocionado, da mesma forma que havia em seu rosto aquele singelo sorriso que eu comentei há pouco. 
Mais exemplos não faltam, como o guia de Marrakech, citado no post sobre Marrocos, que em alguns momentos comentava algo sobre sua família. Ou então como um homem e uma mulher em Paris que nos deram informações de como chegar até a Sacre Couer, quando estávamos, eu e mais dois amigos, levemente perdidos procurando a igreja. O homem - careca, com as costas encurvadas, e uma barriga saliente que insistia em sair das calças que a apertavam - sorria a cada palavra de ajuda que nos dava. A sua amiga - uma moça magra, pequena, com cabelos enrolados e escuros - sempre o contradizia, como que dizendo (em francês) "não, seu cabeçudo, esse caminho é o mais complicado". Os dois, de forma muito informal, mas que demonstrava uma amizade entre ambos, ficavam neste jogo de qual caminho era melhor para nos oferecer, enquanto eu, minha amiga e meu amigo olhávamos para eles falando em francês sem entender muita coisa. A verdade é que em um dado momento, os cinco estavam conversando, ou tentando conversar, em francês e em inglês, enquanto eles olhavam para a camiseta do meu amigo, perguntavam sobre ela (tinha uma imagem e uma frase do Woody Allen) e faziam algumas piadas, sempre rindo de forma muito engraçada conosco. Não me lembro mais do que falávamos, mas me marcou muito aquele momento de intimidade superficial com aquelas pessoas que não sei o nome, nunca saberei e provavelmente não verei mais na vida. 
O ruim é que a minha preguiça, e a paciência de quem lê isso, me impede de citar tantos outros casos, como o sorveteiro em Florença que não acreditava que minha amiga queria tomar o sorvete de chocolate com pimenta, ou então como a atendente do Subway de Barcelona, que ria de mim quando eu perguntava para ela qual era o nome de alguns produtos em espanhol (pois eu tinha esquecido), entre tantos outros casos, de pessoas que foram tão simpáticas que deixaram a marca delas em mim. Elas nem devem saber que eu criei uma espécie de apreço por elas, que elas estão de alguma forma na minha mente de uma maneira muito viva e que se eu faço esse texto ruim neste blog agora é para impedir que elas fujam de mim, pelo menos tão cedo. Espero que eu possa ter sido essa pessoa de sorriso singelo para alguém alguma vez na vida e espero poder receber mais desses nos lugares que eu passar. Tenho a impressão que eles foram meus melhores souvernirs. 

quinta-feira, 6 de junho de 2013

O Reino de Coimbra

É impossível, não possuo a fidelidade que um blog pede. Vejam só, nas últimas postagens eu sempre terminei dizendo que continuaria alguma história, mas em momento algum fiz isso. Pior, eu cheguei a fazer no caso das duas, mas desisti de escrever os textos. Não sei porque, talvez as lembranças tenham ficado mais esparsas, ou talvez por preguiça mesmo, ou os dois, porque não? No final das contas eu gosto de escrever aqui quando eu sinto necessidade disso, e nas três vezes que escrevi algo sobre o intercâmbio foi porque aquelas lembranças e sentimentos estavam tão fortes que eu precisava escrever isso, para depois não esquecer mais. 
Bom, é chegada a hora de mais uma vez colocar para fora alguns sentimentos. Está se aproximando o final do intercâmbio e com ele um número gigante de sentimentos que poucas vezes senti na vida. Para começar, uma saudade enorme do Brasil bateu esses dias, mas forte mesmo. Vontade de abraçar meus pais, de conversar com meus amigos, de comer a comida brasileira, até de pegar o metrô para fazer algo (por mais estranho que isso pareça). Depois, essa saudade forte acalmou um pouco, mas concomitante a isso as pessoas que eu convivo aqui em Coimbra começaram a se dispersar. Aos poucos está se iniciando um processo de despedida aqui na cidade. Primeiro o frio está deixando ela, de fato. Mesmo quando as temperaturas caem o dia continua estranhamente quente. Segundo, as aulas diárias acabaram, então não preciso ir todos os dias à faculdade, nem preciso me preocupar com os textos da aula prática do dia. Terceiro, como eu já havia adiantado a pouco, as pessoas que eu me apeguei mais aqui estão começando a ir embora, não necessariamente para o Brasil, mas estão deixando Coimbra. 
Obviamente, esse momento era mais do que esperado, mas ainda sim, você dificilmente para pensar nele quando está vivendo tudo aqui. Assim, surge uma dualidade muito interessante, que até creio já ter passado na minha vida, mas de outra forma, quando estava no ensino médio. Você quer voltar, quer reencontrar aqueles que ama e que estão longe, mas ao mesmo tempo não quer deixar esse lugar que te conquistou, muito menos as pessoas que dele fizeram parte. Acabei conversando com pessoas que já passaram pela experiência do intercâmbio e ambas me disseram que a sensação de voltar para o seu país de origem é a de voltar para a realidade. Não tenho dúvida alguma disso, afinal, a experiência do intercambio realmente o transporta para um outro local, não apenas fisicamente, mas em todos os sentidos, como até já comentei aqui também em alguma outra postagem. 
Por isso, percebi que Coimbra está meio que se transformando em algo imaginário. A ideia de estar em uma cidade que remete a uma época medieval, que possui ruas estreitas e uma Torre de Relógio que pode ser vista de quase todos os lugares, tudo isso assume um aspecto fantasioso muito interessante. Até mesmo o fato constante de os dias estarem ficando mais longos, de o clima estar mais quente, tudo isso remete muito a um mundo de fantasia, como se a recordação que eu tiver daqui será algo um tanto inatingível. Isso, creio eu, é fácil de explicar, uma vez que eu nunca mais voltarei para Coimbra da mesma forma que estou aqui hoje. Não voltarei mais com 20 anos, não mais como universitário, não mais pelo Santander, nem com as pessoas que estou aqui. A moça que me atende na pastelaria aqui da rua de baixo e que ri sempre que eu peço a mesma coisa, pode ser que nem esteja mais aqui quando eu voltar. O croissant de chocolate da faculdade, que se torna cada vez mais algum mítico, pode também não existir mais quando eu voltar.
Por isso, Coimbra parece estar se tornando um reino desses que eu leio nos livros e que vejo nos filmes (não é a toa que a J.K. Rowling se inspirou nas vestes da Universidade de Coimbra para o seu Harry Potter), um local que se torna cada vez mais distante, física e mentalmente. Acho que descobri a minha Hogwarts, Terra do Nunca, Terra Média, meu Império Galáctico, afinal. Tanto pela cidade, como pelas pessoas incríveis que estiveram e estão aqui comigo. Em breve é hora de voltar.